O evento foi mediado pelo coordenador do Laboratório de Estudos da Violência da Universidade Federal do Ceará (UFC), César Barreira, e faz parte da programação do Seminário Internacional sobre Segurança Pública.
Ibis Silva Pereira, coronel da reserva remunerada da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, disse ser forçoso destacar um dado, a unidade do perfil das vítimas da mortalidade violenta e a massa dos aprisionados no Brasil: pobres, de baixa escolaridade, moradores da periferia, jovens – até 20 anos de idade, do sexo masculino e negros. “Se, por um lado, essa informação releva, a meu ver, a herança do sistema colonial escravocrata, que nos forjou a todos, e por assim dizer demonstra a República inacabada que ainda somos, por outro lado parece comprovar aquela assertiva do Foucault acerca do racismo como uma condição para a aceitabilidade do fazer morrer”, avaliou.
Segundo o coronel Ibis Pereira, a educação policial direcionada para a paz deve estar engajada no enfrentamento da homofobia, do nacionalismo extremado, do sexismo, do racismo e do irracionalismo religioso. “Toda e qualquer forma de ódio entre os seres humanos, que, no caso específico do trabalho policial, encontra uma forma privilegiada de colonização da alma por conta dos desdobramentos de um outro aspecto triste, no âmago do qual se desenvolvem as existências dos agentes da lei no Brasil, nesse tempo de universalização da insegurança. Eu me refiro ao medo”, acrescentou, afirmando a necessidade de problematizar os efeitos do medo na desconstrução dos currículos das escolas policiais.
Ibis Pereira propôs ainda o entendimento do processo de ensino e aprendizagem como uma trincheira contra a desumanização do policial, ressaltando que a segurança pública é uma questão política, antes de ser uma questão da polícia. Ele citou a filósofa francesa Simone Weil, comentando que “a violência esmaga todos aqueles em quem ela toca” e, por isso, é preciso olhar não só para as vítimas da violência, mas também para o que a violência faz com quem produz essas vítimas.
Para o diretor da Academia Estadual de Segurança Pública do Ceará (Aesp), tenente-coronel Juarez Gomes Nunes Júnior, a segurança pública precisa ser tratada não apenas na perspectiva da sociedade, mas também dos próprios policiais. “Para que você possa oferecer segurança, é preciso que você esteja alimentado daquilo que você se propõe a oferecer. É inconcebível que a gente imagine que um profissional da segurança pública tenha a capacidade de oferecer segurança se ele não estiver alimentado disso, se ele mesmo não estiver seguro”, pontuou.
Juarez Gomes apontou ainda a necessidade de investimento na formação continuada do policial, uma vez que os conceitos e a lógica de atuação vão mudando ao longo dos anos.
EXPERIÊNCIA DE PORTUGAL
Na avaliação da professora do Departamento de Antropologia da Universidade de Campinas (Unicamp) Susana Soares Branco Durão, Portugal não deve ser considerado o único modelo para o Brasil, mas, segundo ela, existem coincidências pelas quais os dois países passaram: ambos possuem democracias jovens e passaram por regimes autoritários.
“Às vezes partimos logo para a ideia do modelo, de que há um modelo que temos que recomendar, mas, de fato, para trazer essas reformas, precisamos ter ao nosso lado policiais que assumam seu papel público, político e social, para que lhes seja dada essa garantia de participar dessa discussão”, avaliou.
De acordo com o superintendente-chefe da Superintendência de Segurança Pública em Portugal, Paulo Valente Gomes, a educação policial é sobretudo um trabalho de transmissão de uma cultura policial, de valores e de princípios de um trabalho conjunto. Ele enumerou vários aspectos que devem estar envolvidos na formação policial, como a valorização do ensino e a diversidade e igualdade. Segundo Paulo Valente, a polícia deve ser a representação da sociedade que a cerca, e a escola policial deve permitir que homens e mulheres tenham iguais oportunidades nos processos de seleção.
O superintendente-chefe também comentou sobre a metodologia de ensino em Portugal – que possibilita que os policiais sejam preparados para enfrentar situações específicas, como incidentes de violência doméstica – e propôs a criação de uma rede de troca de conhecimento entre escolas de polícia de países de língua portuguesa, uma vez que, na União Europeia, essa rede já existe.
O professor do Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna em Portugal, Manuel Guedes Valente, ressaltou a importância de defender a dignidade de toda “pessoa humana”, não importando o seu perfil. “Por isso a polícia, quando atua, não pode atuar sob o pressuposto de que aquela pessoa é agente do crime. É psicologia judiciária. Sempre que a polícia parte desse pressuposto, o resultado final da investigação é um desastre”, esclareceu.
O pesquisador também frisou que não há política de segurança que resista se não houver política de educação, de juventude, de emprego, de urbanismo.
O seminário, que teve início na noite dessa terça-feira (05/06), segue até a próxima sexta-feira (08/06), no edifício anexo II da AL.
BD/CG